Promoção e preço baixo: mas quem paga a conta?
- Amanda Furniel
- 14 de mai.
- 4 min de leitura
Atualizado: 18 de jun.
O que os marketplaces internacionais escondem por trás dos preços baixos: violações de direitos humanos, ausência de fiscalização e uma cadeia opaca.

Nos últimos anos, grandes marketplaces como: Shein, Shopee e Temu – estão se tornando cada vez mais populares no Brasil. Seus preços baixos, a facilidade de compra e a variedade de produtos são grandes atrativos para os consumidores não só brasileiros, mas globais também. Porém, por traz de todo esse baixo preço, está um custo humano e social bem caro.
Essas grandes empresas operam com cadeias de produção terceirizadas, e são exemplos clássicos do modelo cross-border marketplace - plataforma de comércio transfronteiriço -, onde se conecta diretamente fornecedores internacionais a consumidores locais, sem passar por distribuidores ou lojas nacionais. Esse modelo de negócio permite que os produtos sejam vendidos por preços extremamente baixos no Brasil, já que elimina distribuidores locais, sonega impostos em alguns casos e opera fora da legislação trabalhista brasileira. Porém, esse tipo de comércio está atrelado diretamente com a falta de rastreabilidade e fiscalização, não se sabe se os produtos foram produzidos de forma ética, respeitando as normas ambientais e os direitos humanos.
Esses marketplaces operam em países com regulamentações trabalhistas mais brandas, facilitando na terceirização da produção por regiões onde os custos são mais baixos, consequentemente, onde há maior incidência de violações de direitos humanos. Entre as principais violações, temos: trabalho forçado e análogo a escravidão, trabalho infantil, jornadas exaustivas e remuneração inadequada.
As plataformas Shein, Temu e, em menor escala, Shopee, têm sido alvo de investigações e denúncias relacionadas a violações de direitos humanos em suas cadeias de suprimentos:
· Shein: Em 2023, a empresa revelou casos de trabalho infantil entre seus fornecedores, levando à intensificação das auditorias e políticas mais rígidas.
· Temu: A plataforma enfrenta críticas por supostamente não manter programas de conformidade eficazes para prevenir o uso de trabalho forçado, especialmente relacionado à etnia uigur na China.
· Shopee: Embora não haja denúncias específicas sobre trabalho forçado, a empresa foi notificada pelo Procon-SP por falta de clareza sobre a procedência dos produtos vendidos. A implementação de due diligence - diligência prévia - é essencial dentro desses grandes marketplaces. Esse é um processo no qual uma empresa identifica, avalia, previne e responde a riscos de violação dos direitos humanos e ao meio ambiente.
A fiscalização dessas empresas é sempre muito complicada por conta da complexidade e falta de transparência das cadeias de suprimentos legais, ou seja, o conjunto de processos e empresas envolvidas na produção, transporte e venda do produto – desde a extração de matéria-prima até a chegado final ao consumidor. Em marketplaces como Shein, Temu ou Shopee, essa cadeia costuma ser longa e espalhada por diversos países.
No Brasil, a fiscalização é ainda mais complicada por não haver uma representação legal plena dessas plataformas no país, o que limita a aplicação de sanções e medidas de proteção dos direitos dos consumidores e trabalhadores. A criação de Unidades de Monitoramento e Fiscalização das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, como a UMF/CNJ no Brasil, representa um avanço na promoção e proteção dos direitos humanos. Essas unidades têm como objetivo monitorar e fiscalizar as medidas adotadas pelo poder público para o cumprimento das decisões da Corte, contribuindo para a responsabilização das empresas e a reparação das vítimas de violações.
A nível internacional, iniciativas como os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas estabelecem diretrizes para que as empresas respeitem os direitos humanos em todas as suas operações. No entanto, a implementação efetiva dessas diretrizes depende da vontade política e da pressão da sociedade civil e dos consumidores.
Os consumidores exercem um papel importante dentro da dinâmica desses marketplaces. A escolha de comprar nessas empresas pode perpetuar essas práticas de trabalho abusivas ou incentivar mudanças positivas dentro desse novo sistema de consumo.
Não se pode esquecer dos grandes desafios que os consumidores enfrentam, propagando enganosa e falta de transparência são alguns dos principais pontos. Essas grandes empresas em questão utilizam de técnicas de publicidade para mascarar toda a história por trás dos produtos e atraindo consumidores com seus preços super abaixo da média. Infelizmente, os produtos de empresas que seguem todas as práticas éticas e legais em seu meio de produção são, geralmente, mais caros.
O conceito de consumo consciente considera os impactos ambientas e sociais das escolhas de compra. Ao escolher produtos de empresas que estão alinhadas com práticas de ESG, por exemplo, os consumidores podem pressionar uma melhora nas operações dos marketplaces.
A globalização do consumo digital trouxe comodidade, mas também transferiu responsabilidades e riscos para áreas invisíveis ao olhar do consumidor comum. O modelo de negócios dessas plataformas baseia-se em exploração intensiva e na ausência de regulamentação efetiva. Exigir transparência, apoiar legislações de due diligence e fortalecer canais de denúncia são passos urgentes para combater a naturalização das violações de direitos humanos nesse setor.
Enquanto governos e empresas se movem lentamente, é a pressão conjunta de sociedade civil, imprensa e consumidores que pode acender o alerta. O acesso facilitado a bens de consumo não pode custar a dignidade e os direitos fundamentais de milhares de trabalhadores invisíveis ao longo do caminho. Há urgência em reequilibrar essa equação.
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